quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A urna como “paredão”

O humorista Tiririca foi o candidato a deputado federal por São Paulo mais votado em 2010. Sua campanha televisiva ficou famosa: “Vote em Tiririca: pior do que está, não fica”; “Você sabe o que faz um deputado federal? Não? Nem eu. Mas vote em mim que depois eu conto”. Tiririca apareceu vestido a caráter durante toda a campanha. Uma foto “à paisana” e o nome Francisco Everardo Oliveira Silva apareciam num canto da propaganda eleitoral.
O fenômeno Tiririca deixou muitos de nós perplexos. Não parece cabível tomá-lo como protesto, nem me parece justo atribuí-lo à suposta ignorância do eleitor. Mas podemos e devemos entendê-lo como sintoma. Cabe ao psicanalista interpretá-lo.
Chama a atenção o fato de um candidato a um cargo político se apresentar ao eleitorado com seu nome artístico. A propaganda eleitoral também se confunde com sua atividade profissional, já que se trata – sem qualquer disfarce – de uma piada. Aqui há duas lógicas imbricadas. A roupa e a piada indicam que se trata de um espetáculo. Mas a intenção e a possibilidade de ser eleito são reais.
A imbricação dessas duas lógicas nos remete ao reality show, que é um híbrido de espetáculo e realidade. Nessa forma de lazer, o espetáculo tem conseqüências reais, e a realidade é transformada em espetáculo. O vencedor do Big Brother Brasil, por exemplo, ganha fama e dinheiro “de verdade”.
Os participantes do BBB são pessoas comuns em busca de ascensão social. Diante das câmaras passam a representar pessoas comuns em busca de ascensão social. Ou seja, se transformam em personagens de si mesmos. É o público que decide por meio de votação quem vai ou não vai para o “paredão”. É, sem dúvida, um exercício de democracia. O significante “voto” não deixa margem a dúvidas.
A campanha eleitoral televisiva tem elementos que a aproxima de um reality show. É um show, porque todos os candidatos são transformados em personagens de si mesmos pelos marqueteiros. E é “de verdade” porque o futuro – o deles e, sobretudo, o nosso – estão em jogo nas urnas. É preciso conquistar o público do show, que nesse caso também é o povo que irá votar.
Uma conversa entre os participantes do BBB “do lado de cá”, isto é, entre os espectadores que votam indicando quem deve ir para o paredão, oferece elementos valiosos para nossa interpretação .
“Na minha opinião, quem deve sair é a Lia. Achei ela muito autoritária, se acha da dona do mundo. Quem deve ficar é o Dourado. Espero que ele ganhe esse jogo porque ele está se comportando como um gentleman” (Nilce, 9/2/2010).
“Dourado é autêntico, não tem frescura, fala na cara!” (Ricardog, 9/2/2010).
Dourado venceu o BBB em 2010.
Atire a primeira pedra quem, dentre nós, não fez comentários desse mesmo tipo enquanto assistia ao horário político. A mídia – e eu me refiro a jornalistas e intelectuais competentes e politizados – também comenta fartamente a aparência, a atitude e a postura dos candidatos. Fulana parece isso, Beltrano parece aquilo. Não são comentários sobre suas propostas políticas; são críticas ao mau desempenho dos atores que estão em cena.
A eleição de Tiririca é sintomática da imbricação de duas lógicas. A do espetáculo, pois os candidatos foram transformados em personagens de si mesmos; e a da democracia – o povo é convocado a votar e a eleger “o melhor”. O significante “voto”, presente tanto no reality show quanto na campanha eleitoral, aproxima e embaralha dois campos – lazer e política – que, a rigor, não têm nada a ver um com o outro. A injunção a escolher “o melhor” também. Melhor o quê: ator ou político?
A votação maciça no humorista denuncia a lógica que rege a prática da democracia quando a política foi completamente infiltrada pelo espetáculo. 1.400.000 pessoas compreenderam perfeitamente quais são as regras desse jogo: deve-se votar no melhor ator. Certamente não podem ser condenados por tê-las cumprido à risca. De fato, era o único palhaço autêntico. Aos outros, faltou talento. Foram para o “paredão”, eliminados do jogo.
Essa maneira de praticar a democracia é compreensível. Quando sabemos que as idéias não querem dizer muito (há as honrosas exceções), pois vêm e vão ao sabor dos marqueteiros/diretores do show, só nos resta tentar identificar o que há de verdadeiro em meio à representação. Na falta de outro, esse passa a ser o critério possível – o mesmo do público do BBB.
Não foram apenas 1.400.000 pessoas que votaram num ator. Sua eleição apenas escancarou o fato de que todos nós o fazemos, simplesmente porque não temos escolha. Todos os candidatos, querendo ou não, têm de se esforçar para parecer o que são – e mais ainda para parecer o que não são. Nós, eleitores, querendo ou não, funcionamos como espectadores de um reality show. Ninguém consegue escapar do sistema. Tiririca tinha a vantagem de não precisar de grandes esforços para parecer o que é. Resta-nos o direito – e talvez seja o único – de eleger os mais talentosos (ou seus representantes).

Marion Minerbo

Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

Doutora em psiquiatria pela UNIFESP.

Colunista da Folha Equilíbrio.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O Papel do Educador no Desenvolvimento Cognitivo da Criança

Ao entrar para a escola a criança o faz cheia de sonhos e expectativas: o que irá aprender? Como isso irá acontecer? Quem serão seus colegas? Como e quem será sua professora...
Organizam o material, preparam a mochila, o lanche, e agora??
Como se processará essa aprendizagem?
Essa pessoa que entra a partir desse momento na vida da criança como alguém “Super”, em quem ela depositará toda a sua confiança vai ensiná-la de forma neutra?
Será capaz de orientar e propor atividades que a levem a encontrar sua autoria de pensamento, estando presente, amparando, auxiliando em suas descobertas, lançando desafios e também porque não sentir-se desafiada?
Esses questionamentos rondam nas cabecinhas das crianças e preocupam pais e profissionais da educação e saúde, pois afinal “qual o papel do professor no desenvolvimento cognitivo das crianças?”
Diria que é fundamental, pois é na escola que a criança realiza muitas de suas descobertas e essas devem ser valorizadas, exploradas e estimuladas, por profissionais que acolham e desafiem de forma adequada a demanda que surgir, pois só assim teremos pessoas capazes de criar sua autoria de pensamento. O professor surge como um exemplo a seguir, suas atitudes, hábitos e palavras ditas serão seguidas a regra muitas vezes gerando conflitos familiares durante os primeiros anos de escolaridade. Pois durante esta época para a criança a professora é quem sabe, quem pode ensinar, então cabe a esta professora mostrar que há vários caminhos que levam ao aprendizado ou a solução de uma situação problema.
Atravessamos por um processo de mudança educacional, hoje a criança participa, é ouvida e constrói seu aprendizado, logicamente sendo bem orientado por seu “ensinante” (Alícia Fernández).
Ao profissional da educação cabe estar atualizado, atento, disponível e usar o bom senso, pois o desenvolvimento cognitivo não depende apenas da transmissão de conhecimentos, mas de trocas onde pode a qualquer momento conduzir ou ser conduzido por seu grupo, procurando sempre que possível conciliar teoria a prática, aliando conteúdos importantes para vencer a série com vivências pessoais de cada um. O aprendizado ocorre em todos os espaços, com todas as informações disponibilizadas pela criança, esse “aprender” também se estende ao professor, pois o verdadeiro educador ou “ensinante” é aquele que participa da aprendizagem como uma dança, envolvendo e sendo envolvido, criando e aceitando a liberdade de criação. E principalmente, estando atento ao que ocorre a sua volta, pois a principal transmissão de conhecimentos se desencadeia através do não dito, do que não está nomeado, do que não é falado. Esses conteúdos estão vinculados a uma série de fatores, tendo aspectos conscientes e inconscientes.
O educador ao transmitir o conhecimento, deve fazê-lo como algo bom, único e significativo para ele, demonstrando prazer em ensinar; assim contagiando com o desejo de aprender, dessa forma teremos uma relação comum entre quem ensina e quem aprende em função de uma outra: A aquisição do conhecimento resultando na aprendizagem.


Anelise Delpino

Cursos de Extensão 2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A Atualidade da Psicanálise de Adolescentes


Uma vez mais os psicanalistas Roberto Graña, membro titular da Associação Psicanalítica Internacional e analista de crianças e adolescentes pela mesma entidade e Angela Piva, membro associado da Associação Psicanalítica Internacional e analista de crianças, famílias e casais, oferecem ao público leitor brasileiro um livro de real valor para a compreensão, diagnóstico e tratamento psicanalítico dos padecimentos que afligem a alma infanto-juvenil em seu ingresso neste novo século/milênio. A atualidade da psicanálise de adolescentes aparece com uma espécie de segundo volume de A atualidade da psicanálise de crianças, livro publicado pela Casa do Psicólogo em 2001 e que teve a sua primeira edição rapidamente esgotada em menos de um ano.


Título Atualidade da Psicanálise de Adolescentes, A
Assunto Psiquiatria, Psicanalise
Idioma Português
Ano 2004
Tipo de capa BROCHURA
Páginas 332
Edição 1
ISBN 9798573963396
Editora Casa Do Psicologo

Dicas do CIPT

Interessado em notícias "sempre fresquinhas" de tudo o que acontece no mundo psi? acesse: http://psicologiaacademica.blogspot.com/

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O CORVO
(de Edgar Allan Poe/ trad. Fernando Pessoa)

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!